Você vai ouvindo o disco e fica difícil acreditar que um garoto de 16 anos, sozinho no quarto, possa ter feito tudo isto. De onde, com essa idade, ele tirou tanta informação e formação para compor, fazer arranjos e tocar assim tantos instrumentos? Como pôde, em tão pouco tempo, apreender a história do rock e de certa forma até da própria Música, para chegar a esta síntese?
Que espelho atravessou para buscar uma valsa, encontrar o cangaceiro Lampião, brincar com os Beatles, samplear o discurso irado do jovem Caetano, ouvir a voz dos elefantes, dedilhar um violão folk, crispar uma guitarra pós-punk, tocar um piano clássico, cantar como Tom Waits, fazer um vocal tipo Mutantes, pensar em inglês e entre tantas influências do passado e do presente inventar seu próprio som?
Onde aprendeu que a sofisticação pode estar na simplicidade e a simplicidade na sofisticação? Que o natural e o eletrônico, o silêncio e o ruído são complementares? Como conseguia cantar só para ele diante de uma multidão virtual e ao mesmo tempo mostrar-se a essa multidão com a segurança de quem está absolutamente só? De que lugar Yoñlu trouxe a vontade de ser vários, a surpresa de ser vários, a tristeza, a melancolia, a angústia de ser vários?
Perguntas, perguntas, Yoñlu deixou uma enorme pergunta tatuada numa tela de cristal líquido e na memória de quem o conheceu, dentro ou fora dessa tela. Sua herança, neste disco, é impressionante. Por todos os motivos, um outro mundo que se desvenda para quem o ouve: música de grande qualidade e expressão, e a foto nítida de uma mente genial presa no corpo de um adolescente que, talvez por isso mesmo, reuniu o universo em seu quarto.
Juarez Fonseca
"Eu acredito que a cadência e a harmonia certas no momento certo podem despertar qualquer sentimento, inclusive o da felicidade nos momentos mais sombrios."
Essa frase é de um adolescente de 16 anos. Um garoto que amava Radiohead, Mutantes e Vitor Ramil. Foi escrita no dia de seu suicídio. Era parte de sua carta de despedida. Ele dizia aos pais que a música era a melhor maneira de enfrentar o desespero que viria. Antes de começar a morrer, colou a carta no lado externo da porta do banheiro. Acima dela, um cartaz: “Não entre. Concentrações letais de monóxido de carbono”. Vinícius ligou o aparelho de som – “porque é bom morrer com música alegre” – e entrou.
A frase escrita na morte se transformou num legado de vida impressa no encarte do CD lançado em fevereiro pela Allegro Discos, com 23 músicas de sua autoria. Parte delas foi entregue aos pais na forma de uma herança às avessas: “Deixei na mesa do computador um envelope vermelho da Faber-Castell que contém um CD com algumas de minhas músicas”. Yoñlu, o título do CD, é o nome com o qual batizou a si mesmo no mundo em que circulava com mais desenvoltura: a internet.
Ambos, Vinícius e Yoñlu, morreram por asfixia por volta das 15h30 de uma quarta-feira de inverno, 26 de julho de 2006. Vinícius foi estimulado ao suicídio e auxiliado por pessoas anônimas na internet. Ele é a primeira vítima conhecida no Brasil de um crime que tem arrancado a vida de jovens de diferentes cantos do mundo – uma atrocidade que poderia ser chamada de Suicídio.com. Yoñlu anunciou na internet que seu suicídio começaria a partir das 11 horas de 26 de julho.
Vinícius Gageiro Marques deixou o inventário de seu suicídio. Documentou sua morte na carta de despedida impressa em papel e no registro virtual da internet. Seguindo seus passos, é possível chegar ao impasse de uma época em que adolescentes habitam dois mundos – mas os pais só os alcançam em um.
No mundo real, Vinícius estava havia dois meses em internação domiciliar por determinação de seu psicanalista. Ele era um garoto superdotado, descrito como “extraordinariamente inteligente” e “extremamente sensível”.
Filho único do casamento de um professor universitário que foi secretário de Cultura do Rio Grande do Sul com uma psicanalista, ele teve todo o estímulo para desenvolver inteligência e sensibilidade. Alfabetizou-se em francês quando a mãe fazia doutorado em Paris com a historiadora e psicanalista Elizabeth Roudinesco, biógrafa de Jacques Lacan. Mas o mundo doía em Yoñlu, como mostram as letras de muitas de suas músicas. Sua questão não era morrer, mas fazer a dor parar.
Os fones de ouvido eram o caderno dele. Não levava nada, não ouvia o professor e depois passava por média em tudo. Vinícius criou uma fantasia para enganar os pais: a de um adolescente “normal”. Disse a eles que queria fazer um churrasco para os amigos, que estava interessado numa “guria”, que preferia não ter os pais por perto. Dias antes, pediu ingresso para um show que aconteceria depois de sua morte, iniciou um tratamento de pele, foi ao supermercado comprar a carne. Simulou um futuro onde não pretendia estar.
Vinícius parecia “curado” no mundo real. Na internet, porém, Yoñlu pedia instruções sobre o melhor método de suicídio. Em 23 de junho, comentou que adiaria sua morte porque muita gente estava elogiando suas músicas. A faixa “Deskjet Remix”, em parceria com um DJ escocês, tocava em festas eletrônicas de Londres. O mundo virtual de Yoñlu alcançava gente de vários países em sites de suicídio e fóruns de música, com quem conversava num inglês desenvolto. A gravadora Luaka Bop lançou em 14 de abril nos Estados Unidos, finalmente, o disco póstumo de YOÑLU, apostando no denso trabalho conceitual do jovem gaúcho, o selo de propriedade do músico americano David Byrne bolou o belíssimo e criativo site www.luakabop.com/yonlu, em que dá pra curtir as músicas e os desenhos do próprio Yoñlu, reproduzidos no encarte do CD.
Batizado de A Society in which No Tear Is Shed..., o álbum tem 14 faixas – o editado pela Allegro no ano passado reunia 23 músicas. Em compensação, o disco gringo traz canções que ficaram de fora do brasileiro, como uma versão de "Estrela, Estrela", de Vitor Ramil, e o sambinha de protesto "Olhe por Nós", em que Yoñlu detona um político gaúcho da atualidade: “Pra piorar, até governador tu quer virar / Para o Rio Grande governar / E do poder se aproveitar / Mas eu não vou deixar”.
A singular mistura de folk, música eletrônica, samples, MPB e ruídos de Yoñlu já está chamando a atenção da crítica musical lá fora. Sites especializados como o All Music vêm saudando a criatividade do trabalho do garoto, comparando-o a nomes como Nick Drake, Elliott Smith e Radiohead.
Yonlu - A Society In Which No Tear Is Shed Is Inconceivably Mediocre (2009)
01 - I Know What It's Like ( 3:03)
02 - Boy And The Tiger ( 5:44)
03 - Humiliation ( 1:57)
04 - Polyalphabetic Cipher ( 3:57)
05 - Q-Tip ( 3:33)
06 - Little Kids ( 1:20)
07 - Katie Don't Be Depressed ( 3:43)
08 - Deskjet (Remix) ( 1:17)
09 - Estrela, Estrela ( 3:21)
10 - Olhe por Nós ( 1:55)
11 - Suicide ( 1:59)
12 - Luona ( 3:34)
13 - Phrygian ( 1:30)
14 - Waterfall ( 3:53)
4 comentários:
cara, gostei da música luana, viciante
Diego... Acho que o disco todo é "viciante"....
Abraço
GEnial, me pergunto o que pode ser mais sincero...
damn my not having money! :<
but I would indeed download it if I have some. :3
Postar um comentário