Fábula em vermelho e branco

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Aos nove anos, eu amava o Internacional e, como todo menino da minha idade, sonhava ser jogador de futebol.

Aí aconteceu um fato marcante na minha vida. Meu pai, seu Bento, me levou ao Estádio Olímpico para ver Inter x Botafogo, pela Taça Brasil de 1962. O Estádio dos Eucaliptos era modesto demais para confrontos de tamanha importância. Foi o primeiro jogo profissional que me lembro de ter assistido. Do nosso lado, Gainete, Cláudio Dani, Sapiranga, Alfeu e um centroavante revelação: Flávio Bicudo. No time carioca, monstros sagrados como Garrincha, Nilton Santos, Amarildo, Zagallo e um goleiro que seria titular da Seleção Brasileira quatro anos depois: Manga, o Manguita Fenômeno.

Nunca imaginei que naquele dia os deuses do futebol estavam escrevendo o enredo de uma fábula da qual eu seria personagem.

Dois anos depois, o destino e meu irmão Pedro me levaram para um teste na escolinha do Inter. Era uma “peneira” de mais de 300 garotos. Ao final, o técnico Jofre Funchal se dirigiu ao meu irmão e disse uma frase que marcaria para sempre a minha carreira profissional: “O alemão tá plenamente aprovado”. Mais 10 anos se passaram e o ciclo se fechou: lá estava eu dando a volta olímpica no Beira-Rio para celebrar o primeiro título brasileiro do Inter com meus companheiros. Entre eles, por uma dessas coincidências inexplicáveis da existência, Manga e Flávio Bicudo.

Meu sonho de menino estava realizado.

Claro que não foi simples assim. Ralei muito para chegar àquela decisão. Para pagar a passagem de ônibus entre Niterói, onde eu morava, e o antigo Estádio do Nacional, onde os meninos do seu Jofre treinavam, eu vendia garrafas vazias. Meu pai era motorista de caminhão, não ganhava o suficiente para pagar aquela minha despesa extra. Mas gostava tanto de futebol e do Internacional que um dia encheu o caminhão de tijolos e me levou junto até o aterro em frente ao Asilo Padre Cacique. Com muito orgulho, participamos da campanha de doação de tijolos para o novo estádio que lá estava sendo construído exatamente para que o Inter não precisasse mais pedir emprestada a casa do rival nos grandes confrontos nacionais, como naquele jogo da Taça Brasil. Anos depois, já com o Beira-Rio pronto e na condição de atleta do clube, repeti simbolicamente o gesto da doação, carregando um carrinho de areia na rampa do estádio.

Foi muito gratificante jogar e conquistar títulos no estádio que ajudei a construir.

Cada vez que recordo a minha passagem pelo Internacional, bendigo a minha sorte. Lembro dos milhares de garotos que também sonharam o mesmo sonho, sem a possibilidade de realizá-lo plenamente – para usar a palavra mágica do seu Jofre. Nestes cem anos do Inter, é justo que se homenageie aqueles que contribuíram de alguma maneira para a grandeza desde clube multicampeão e detentor de um título mundial. Mas também é importante que se reverencie os sonhos de todos aqueles que não tiveram a oportunidade de doar tijolos nem de suar a camisa vermelha, e ainda assim carregam o clube em seus corações.

Há tempo de paixão e tempo de profissionalismo.

Em 15 anos de Internacional, aprendi a transformar aquele deslumbramento infantil em meta de vida. Tive grandes mestres – Ernesto Guedes, Dino Sani, Ênio Andrade, Rubens Minelli – e tantos companheiros extraordinários que nem me atrevo a citá-los para não cometer injustiças. Com eles, tornei-me um profissional cioso de meus deveres, concentrado na minha atividade, preparado para novos desafios. Foi graças ao Internacional que pude dar a volta ao mundo atrás de uma bola, realizando-me – mais uma vez, plenamente – nesta carreira de glórias e fracassos. O Inter, três vezes campeão brasileiro, foi a minha plataforma para saltos mais ousados – a Seleção, o título italiano com a Roma e a participação inesquecível em duas Copas do Mundo.

Minha atividade atual, de comentarista esportivo, exige o distanciamento das paixões da juventude. Tenho consciência disso e procuro cumprir minhas obrigações profissionais com dignidade. Mas jamais vou negar minha história. Neste centenário que a torcida colorada celebra hoje estão incluídos os melhores anos de minha vida. Este testemunho é a minha homenagem singela ao clube que me proporcionou a oportunidade de viver esta aventura maravilhosa. Posso dizer que realmente vivi uma fábula em vermelho e branco.

Plenamente.
PAULO ROBERTO FALCÃO








2 comentários:

Adriana Gehlen disse...

chorei

tati disse...

Emocionada com tamanha admiração que este craque nos proporcionou!NADA mais apaga essa história, serei COLORADA até depois da morte!é com lágrimas nos olhos que saúdo os PELEADORES, GAÚCHOS E ORGULHOSAMENTE COLORADOS DE TODO ESTE PAGO...

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RamonR