Geraldo Flach, Um mestre do improviso

* Por Arthur De Faria


Geraldo Flach, nascido em Porto Alegre, no dia 6 de agosto de 1945, tinha apenas 16 anos quando, em 1961, entrou pro Renato & Seu Conjunto. Renato queria incrementar seu conjunto melódico com um vibrafone, o instrumento por excelência daquela sonoridade. E foi nele que o já então pianista estreou nos palcos. Se saiu tão bem como menino prodígio que, neste mesmo ano, foi contratado para ser a estrela do programa Um Piano em Destaque, da Rádio Difusora. Em programas desse gênero – um pianista sozinho tocando no estúdio – já havia despontado, uma década antes, Norberto Baldauf, na Gaúcha. Com o adolescente Geraldo não foi diferente.

Afinal, ele era o primeiro exemplar de pianista surgido depois do nascimento da Bossa Nova e da consagração do samba-jazz. Mesmo com a formação de quem estudou clássico desde os cinco anos por influência da mãe pianista, sua praia era o popular. Resultado: com 18 anos, era um nome consagrado no cenário local. Tinha até seu próprio programa de TV, na Piratini – onde tocava em trio, com contrabaixo e bateria.

Em 1964, ganhou o prêmio de melhor solista do insólito 1º Festival de Jazz e Bossa Nova de Tramandaí. O encontro era organizado pelo radialista Glênio Reis e estrelado por uma Elis Regina às vésperas de embarcar para o Rio. Pois esta mesma Elis vai ser a intérprete de Geraldo na canção Um Novo Rumo (parceria com Arthur Verocai) no 1º Festival Universitário de MPB, promovido pela TV Tupi do Rio.
Só que aí Geraldo se formou em engenharia e resolveu abandonar a música. Promessa cumprida comprida: longos anos.

Só volta em 1976, quando cria a produtora de áudio Plug (uma das maiores do Estado, por 25 anos). Pra, logo em seguida, 1978, assumir a direção artística da efêmera Gravadora ISAEC. Aí foi inevitável.

Entra 1980 decidido a mudar de vida, e o símbolo disso é seu primeiro disco solo, o independente Alma. Lançado em 1981, no LP luziam o baterista Fernando Pezão – hoje na banda pop Papas da Língua – e o contrabaixista Clóvis Boca Freire. A partir daí, passa a montar, mais do que shows, espetáculos instrumentais – conceito, aliás, poucas vezes desenvolvido em todo o país. O primeiro é Voz do Brasil, grande produção com cenários, figurinos, roteiro, e envolvendo uma equipe de 33 pessoas, das quais 11 eram músicos no palco.

Começa então a trabalhar intensamente com trilhas para teatro, cinema, TV e dança – com dezenas de prêmios e trabalhos marcantes, como no histórico curta Ilha das Flores, de Jorge Furtado. Lança discos regularmente: a Alma se seguem Momento Mágico (Som Livre/RBS, 1985), Piano (RGE, 1990), Geraldo Flach & Luiz Carlos Borges (Velas, 1992, em dupla com o acordeonista, violonista, cantor e compositor regionalista gaúcho), Tom Brasileiro (Velas, 1993), Interiores (Velas, 1995), Atitude (RGE/RBS, 1998), Piano Azul (independente, 2000) e Meu Piano (independente, 2004).

Nove discos que se revezam entre trabalhos arranjadíssimos, com banda e até orquestra, e piano solo, algumas vezes totalmente improvisado. Em todos, a marca de um pianista de técnica exuberante, mão esquerda ágil, harmonias por vezes surpreendentes e uma originalidade na criação espontânea que foge dos clichês jazzísticos para construir por vezes peças quase eruditas, quase impromptus, como diria Liszt.

Como compositor de canções – atividade mais rara em sua vida – é um dos tantos gaúchos selecionados para o MPB Shell 1981, com Estamos Aí (letra do poeta Luiz Coronel) e também para o Festival dos Festivais (1985), da mesma Rede Globo, com uma parceria com Jerônimo Jardim, Pátria Amada.

Comprovada a tese de que a vida começa aos 40, foi a partir daí que passou a dividir shows e CDs com artistas tão diversos como seu amigo de longa data Ivan Lins, mais Nana Caymmi, Luiz Carlos Borges, Borghettinho, a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro ou o quarteto argentino de saxofones Los Cuatro Vientos. Seus shows totalmente improvisados, ao lado dos percussionistas Djalma Corrêa e/ou Fernando do Ó, fizeram o delírio de quem o assistiu criando, durando hora e meia, música espontânea sem nunca ficar chato, cabeça ou aborrecido.

Além desses encontros, passou suas últimas duas décadas liderando dream teams locais: o Geraldo Flach Quarteto (ele ao piano, Ricardo Arenhaldt na bateria, o paulista Evaldo Guedes – substituído pelo gaúcho Ricardo Baumgarten no baixo e o velho amigo Fernando do Ó na percussão –, depois Giovanni Berti). Depois um trio, com os dois Ricardos. Por fim, quarteto novamente com o guitarrista Paulinho Fagundes. E muitos, muitos encontros memoráveis com Renato Borghetti, Frank Solari, variadas orquestras e a Banda Municipal de Porto Alegre.

Geraldo era, e já há algum tempo, um dos maiores nomes da música instrumental no país. Ainda que, como muitas vezes acontece, o país não se desse conta. Mas quem já o assistiu lotar algum teatro em Buenos Aires, tocando para um público delirante, exigindo muitos bises, sabia o quanto ele podia incendiar uma plateia.

*Músico e jornalista

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RamonR